Funções Executivas
- Bibiana da Silveira dos Santos Machado
- 10 de out. de 2020
- 4 min de leitura
As funções executivas constituem um conjunto de habilidades que possibilitam uma reflexão atenta, isto é, intencionada a alcançar um objetivo. Um bom funcionamento executivo permite ao indivíduo refletir antes de agir, trabalhar diferentes ideias mentalmente, solucionar desafios inesperados, pensar sob diferentes ângulos, reconsiderar opiniões e evitar distrações.

Assim, essas habilidades são fundamentais para tomar decisões, viver e pensar com autonomia.
Seu principal desenvolvimento ocorre de zero a seis anos de idade, período que corresponde à primeira infância, e é fortemente influenciado pela qualidade e quantidade de experiências que as crianças podem ter, inclusive relacionadas aos aspectos biológico e emocional.
As capacidades relacionadas às funções executivas incluem ainda a possibilidade de organizar diferentes atividades no dia a dia, planejar e executar etapas de um objetivo de longo prazo, concluir tarefas apesar de interrupções e distrações, controlar impulsos, manter o foco, refazer planos para corrigir erros e realizar diferentes ações simultaneamente. Essas habilidades evitam a realização de ações com consequências indesejáveis, tanto no trabalho e na escola como no relacionamento com familiares e amigos.

É possível considerar três dimensões das funções executivas que, apesar de distintas, são interligadas. São elas a memória de trabalho, o controle inibitório e a flexibilidade cognitiva.
1. Memória de trabalho: permite armazenar, relacionar e pensar informações no curto prazo. Sem essa capacidade, por exemplo, o indivíduo não se lembraria do que estava fazendo após ser interrompido.
2. Controle inibitório: possibilita controlar e filtrar pensamentos, ter o domínio sobre atenção e comportamento. Conseguir ler um texto, mesmo na presença de barulhos incômodos, é um exemplo de uso dessa habilidade.
3. Flexibilidade cognitiva: permite mudar de perspectiva no momento de pensar e agir, e considerar diferentes ângulos na tomada de decisão. Por exemplo, essa capacidade é fundamental para o indivíduo perceber um erro e poder corrigir.
Considera-se que a partir das três dimensões, ou componentes principais das funções executivas, são construídas as funções executivas de ordem superior, que envolvem a capacidade de raciocínio, solução de problemas e planejamento. Além disso, as três dimensões, acima consideradas, são essenciais para a construção de diversas habilidades fundamentais para a autonomia individual, como criatividade, perseverança, cooperação, respeito mútuo, disciplina e flexibilidade.
Estudos identificam as regiões do cérebro envolvidas com o processamento das funções executivas. Sistematicamente, destaca-se a importância do córtex pré-frontal, área cortical localizada na região anterior do cérebro. Estudos de neuroimagem durante o desenvolvimento1 e envolvendo pacientes adultos com danos cerebrais demonstram que o córtex pré-frontal é fundamental para o controle da atenção, do raciocínio e do comportamento.

Na primeira infância, os circuitos das regiões pré-frontais são modificados, esculpidos, consolidados em função das experiências da criança, notadamente aquelas que envolvem interações sociais.
Nas fases seguintes da vida, esses circuitos continuam a amadurecer até o início da idade adulta. Todavia, a formação ocorrida na primeira infância é determinante de todo o desenvolvimento posterior.
Tendo em vista que as regiões pré-frontais possuem interconexões importantes com outras áreas do cérebro, há que se destacar que também outras regiões cerebrais são fundamentais no processo de formação das funções executivas, como o sistema límbico. Esse conjunto de estruturas cerebrais, responsável por coordenar a resposta ao medo e ao estresse, está relacionado ao funcionamento executivo.
Assim, situações desencadeadoras de medo e estresse, que ocorram de forma excessiva e recorrente, podem comprometer o desenvolvimento das funções executivas, à medida que elas se desenvolvem, passam a influenciar respostas emocionais em situações de medo, estresse e alegria.

Didaticamente, pode-se considerar a existência de dois sistemas interdependentes no cérebro. Um seria o sistema “emocional” e o outro, “racional”. O coração disparar, ter a face ruborizada, fugir ou lutar são respostas emocionais a situações de medo, alegria, estresse, que, no encéfalo, são processadas principalmente pelo sistema límbico. Já respostas que envolvem algum tipo de planejamento dependem, fundamentalmente, da região pré-frontal do córtex, que são áreas com amadurecimento mais tardio.
Assim, não surpreende que crianças tenham reações mais emocionais do que os adultos, como morder ou bater. Com o desenvolvimento, a interação entre os dois sistemas modifica-se em função do amadurecimento das áreas pré-frontais.
O comportamento torna-se mais complexo, sendo influenciado por fatores ambientais e culturais que moldam a formação das áreas pré frontais. As ações passam a depender também das noções de certo e errado, adquiridas das experiências passadas, da preocupação com o futuro e com as consequências das atitudes realizadas. Aos poucos, dimensões antes ignoradas passam a ser consideradas na tomada de decisão de quaisquer atitudes, desde a ingestão de alimentos ou o tratamento dado a outras pessoas até a opção de fazer poupança.

As habilidades que compõem as funções executivas são essenciais para o controle consciente e deliberado sobre ações, pensamentos e emoções. Tais capacidades possibilitam ao indivíduo gerenciar seu comportamento e suas ideias de forma autônoma e independente. Sem um bom desenvolvimento das funções executivas, os indivíduos podem apresentar dificuldade para se lembrar de ideias e de fatos a fim de relacioná-los no curto prazo, ou para evitar que pensamentos ou eventos externos distraiam a atenção ou, ainda, para refletir sob diferentes ângulos.
Desta forma é essencial se atentar para os ambientes familiares e escolares que favorecem o desenvolvimento e a aprendizagem das habilidades a elas relacionadas.
É importante a criação de vínculos e interações sociais positivas entre cuidadores e crianças.
Além de propiciar um ambiente seguro, os adultos podem utilizar diversas estratégias que promovam diretamente a aquisição gradual das funções executivas. Diferentes atividades e práticas podem desenvolver memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva nas crianças.
FONTE: Funções executivas e desenvolvimento infantil : habilidades necessárias para a autonomia : estudo III / organização Comitê Científico do Núcleo Ciência pela infância. Joana Simões de Melo, et al. São Paulo : Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal - FMCSV, 2016.